sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A saga familiar como moldura da moda

Por Katiusca Demetino, Pamela Moraes e Thaís Moreira

       Verão de 1996/97, a moda sai da casa de uma família e toma conta das passarelas através das criações do estilista Ronaldo Fraga. Inspirado nos textos teatrais de Nelson Rodrigues, ele trouxe para o âmbito da moda a saga familiar de dois personagens imaginários. A coleção recebeu o nome de “Álbum de Família”.
De um lado o teatro, do outro a moda. Com personagens fictícios, Ronaldo juntou duas artes em uma só. Com figurinos ousados, maquiagem teatral, penteados exuberantes e os modelos desfilando como se estivessem em uma peça, o estilista trouxe o palco para a passarela.
Numa pesquisa feita nas ruas de Ouro Preto e Mariana, Minas Gerais, foi apresentado o álbum às pessoas de todas as idades. O objetivo era ver a reação delas diante de uma moda que causou ‘frison’ no mundo fashion na década de 90 e o que as imagens remetiam a elas. Foi explicado o contexto de Nelson Rodrigues e o teatro inseridos no desfile que serviu de inspiração para o estilista nessa coleção. O verão de 1996 foi  transportado para os dias atuais. Foi pedida a opinião das pessoas para saber se usariam as roupas apresentadas.
Gustavo Bueno é um estudante de 16 anos, e quando abordado questionou a roupa usada pelo modelo. Disse que não usaria, “a não ser que fosse para dormir”, relatou o adolescente. Ele comparou a camisa do modelo com uma camisa de futebol, e que segundo ele está fora dos padrões usados pelos times atuais. Sobre a calça alaranjada ele disse que usaria para ficar em casa, “pois parece ser confortável”, finaliza o jovem.
           Para a aposentada Maria Antônia Francisquini, 79 anos, a moda não é um fato essencial em sua vida cotidiana. Ela considera as roupas da coleção fora da sua realidade: “Tem que ser confortável e pronto, se tá na moda ou não aí já não é comigo.” Ela também destaca a diferença entre o tipo de moda da sua época e a apresentada no desfile, segundo Maria Antônia na sua juventude o tipo de roupa apresentada na coleção não chegou ao seu conhecimento como referência de moda. A entrevistada encarou o desfile com estranhamento, afirmando inclusive que a expressão das modelos lhe causou medo: “Essas perucas esquisitas. Gosto de gente normal, esse povo tá muito estranho.” Para ela, a coleção é muito parecida com as roupas usadas atualmente: “é tudo a mesma coisa, roupa no meu pensamento é calça, blusa, vestido, saia e pronto”.
          A entrevistada Vânia Mares Guia é uma bancária de 46 anos e ao analisar a coleção de Ronaldo Fraga não teve nenhuma identificação. Ela achou o tipo de moda apresentada no desfile destinada a pessoas com idade mais avançada: “achei um pouco senhoril.” Comparando com as roupas utilizadas atualmente ela percebeu os modelos um pouco antiquados, destacando ainda que ficariam melhor se fossem vestidos por sua mãe. Mesmo que não seja muito ligada à moda, Vânia achou o desfile diferente dos que geralmente são vistos por aí: “Achei uma coisa mais caricata, mais teatral e realmente me lembram os componentes de uma família, mas não muito comum.” Sua impressão sobre a coleção também foi de certo estranhamento. Para ela os desfiles de moda deveriam levar um outro toque. “Se fosse eu a estilista ia querer uma coisa mais glamurosa e não assustadora como me pareceu em algumas fotos”, explica a bancária.

         Dezessete anos depois, o desfile ainda causa um certo espanto nas pessoas. Tanto pela forma caricata nas passarelas, quanto pela intensificação dos modelos utilizados para representar a família. Observou-se nos entrevistados um certo distanciamento do mundo da moda. Por mais que as pessoas utilizem as tendências em seu dia-a-dia, ainda mantêm-se um abismo entre sua realidade e a do desfile, o que se evidencia quando são apresentadas às pessoas as formas cruas das coleções. 
        A forma teatral com que Ronaldo levou suas criações às passarelas não agradou a todos os entrevistados, seja pela sua realidade social prática ou pelas formas que as roupas são apresentadas no desfile. Ele utilizou de uma maneira despojada para referenciar a família da época, mas fugindo dos padrões de uma família comum. Normalmente os estilistas usam aspectos despojados e até mesmo exagerados para retratarem suas coleções. É esse o lado da arte que se entrelaça a moda nas passarelas. O momento do desfile é como uma peça de teatro e os modelos, personagens de seus estilistas. Ronaldo desafiou o senso comum ao destacar sua concepção de arte, moda e família. 

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