Por
Débora Simões, Júlia Pinheiro e Paloma Santos
A grande dúvida que se tornou
título de uma marcante coleção. “Quem
Matou Zuzu Angel?” sobrepõe
e titula uma coleção de verão dos anos de 2001-2002 criada pelo
estilista mineiro Ronaldo Fraga para as passarelas da São Paulo
Fashion Week. O estilista relembrou, através das roupas e dos
detalhes que constituíam a passarela, o impactante episódio da
ditadura militar e uma de suas importantes personagens, a também
estilista Zuzu Angel.
Baseando-se na história de Zuzu
Angel, no contexto da ditadura militar e da moda atuando como um meio
comunicativo de denúncia e apelo, Ronaldo Fraga inovou as passarelas
da SPFW na sua coleção no verão de 2001-2002. Trouxe para o
principal palco das modelos, bonecos que retratavam os episódios de
tortura. Dentre as características das roupas, cores com pigmentos
naturais, estampas de lençóis e andorinhas – detalhes
característicos das peças de Zuzu. O estilista também ao
demonstrar sutileza na sua coleção, além da leveza das roupas,
trouxe os azulejos coloridos – peças que marcaram a estética da
década de 1970 – cata-ventos nas cores verde e amarelo e nuvens
com chuva de sangue completavam o cenário. Um toque sutil, mas ao
mesmo tempo memorável da história da estilista, personagem, mãe e
mulher Zuzu Angel, que faleceu no ano de 1976 em um acidente
automobilístico na capital carioca. Após mais de trinta anos, ainda
existem dúvidas sobre o ocorrido, suspeitando até de um suposto
atentado que trouxe a tona a incógnita e a origem do título, Quem
Matou Zuzu Angel.
A história...e anos depois,
as memórias na passarela
Uma mulher de virtudes e coragem.
Zuzu muito antes do auge como estilista e protagonista de um dos
episódios mais trágicos da história brasileira, iniciou seus
trabalhos ainda em Belo Horizonte. Customizava roupas a mão, depois
mudou-se para o estado da Bahia e enfim fixou-se no Rio de Janeiro,
em 1947, passando de costureira para estilista e obtendo seu próprio
estilo, criando peças com traços brasileiros – estampas com cores
tropicais, rendas, temas regionalistas e folclóricos – e trazendo
junto com as características do Brasil a vontade de vestir a mulher
– seja ela elitizada ou não.
Já na década de 1970, Zuzu
inaugurou sua loja no bairro de Ipanema, na cidade do Rio de Janeiro.
Encantou o mundo e as vitrines com a sua moda, criações e com seus
“anjos” usados como pano de fundo. Como na época o país passava
pela repressão política, seu filho, Stuart Angel Jones – um jovem
estudante de economia e ativista de um movimento revolucionário –
foi sequestrado após ser preso por agentes do Centro de Informações
e Segurança no ano de 1971. Stuart após ser torturado e ter
implorado socorro de dentro das celas em que fora preso, foi morto,
porém, tendo o seu cadáver ocultado.
A partir da morte do filho, Zuzu
Angel saiu em protesto e iniciou uma série de denúncias contra os
responsáveis pela sua morte. E a moda, atuou como um importante
canal para os apelos de Zuzu, perpetuando por meio das roupas e dos
anjos, detalhes como tanques de guerra, pássaros engaiolados e
afins, para demonstrar à imprensa o que ocorreu com Stuart.
Zuzu serviu de inspiração?
Dentro do contexto da repressão
da ditadura, diversas mulheres – elitizadas ou não – afirmaram e
defenderam suas respectivas posições mesmo estando inseridas nos
“anos de chumbo”. Através dos modelos de roupa da época,
conseguiram manter a postura diante da sociedade, inovando e se
inspirando nos moldes da moda naquela época. Dona Maria da Conceição
Silva, uma aposentada de sadios 74 anos e natural de Sabinópolis,
relembra muito bem os traços da década de 1970: “Nasci
em 1939, no interior de Minas. Fui para a capital estudar ainda muito
jovem, aonde no colégio (internato) eram proibidos os uso de
determinadas peças, cores e acessórios”. Quando
questionada sobre a ditadura, ela afirmou que havia se casado no ano
de 1965, e que já morava na capital mineira: “Me
casei no ano seguinte ao golpe de 64 e já morava em Belo Horizonte.
Ia às vezes para alguns clubes com minhas amigas, usava maiôs e
peças que eu gostava. Porém era uma liberdade limitada. Nos tempos
de colégio era praticamente impossível circular com roupas da minha
preferência – o que incluía estampas, saias e vestidos variados.
Na década de 1970, quando Conceição deu a luz para dois dos seus
quatro filhos, ela frisou que a moda já era algo mais alcançável e
aceitável pela sociedade: “Já
era possível circular pelas ruas com peças mais diferentes,
despojadas. Usava muito saias longas, estampas com cores fortes,
batas, camisas compridas e coloridas. Lembro que havia muito a
valorização das cores – principalmente as que denominamos de
“vibrantes” – e acessórios que davam sutileza as roupas. Como
eu trabalhava na Cruz Vermelha, usava branco todos os dias. Quando eu
tinha alguma oportunidade, optava sempre por peças mais coloridas.
Ao
ser questionada sobre
a influência que a estilista Zuzu Angel demonstrou na época,
afirmou: “Zuzu foi
além de uma grande modista, uma grande mulher. Não só ela, mas
também Maysa Matarazzo, Elis Regina e uma série de outras nos
influenciaram na época. Das peças que eu tive e que tenho até
hoje, ficam a lembrança de uma década marcante, forte e feita por
todas nós, mulheres”.
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