quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Aproximação e identificação: traços que unem o público à moda


Bruna Fontes e Rosianne Silveira
 

Em que a peça “Álbum de Família”, de Nelson Rodrigues, se assemelha as costuras de Ronaldo Fraga? Conhecido por sempre surpreender e inovar no campo da moda, Fraga não poderia fazer diferente na coleção Verão 1996/97, em que colheu a essência da dramaturgia de Rodrigues e retirou os personagens do limite do imaginário, transfigurando-os em linhas, agulhas, cortes e costuras.


Uns dos modelitos da coleção
"Albúm de Família",
de Ronaldo Fraga
“Álbum de Família” – nome que intitula também a coleção de moda – retrata em diferentes épocas, como é marca predominante nos trabalhos de Nelson Rodrigues, os membros de uma família, em variadas ocasiões e gerações, fotografando e registrando em um álbum de recordações cada momento crucial da peça. Tais cenas, em geral, descreviam a virtude e a felicidade daquelas pessoas, contradizendo o que é mostrado ao público ao longo de toda a peça. Do ponto de vista fotográfico – saindo do campo ficcional e emergindo no real –, pode-se traçar paralelos em comum entre arte e vida.

E justamente neste gancho, Ronaldo Fraga entrou com todo o seu talento: para a moda e para a interpretação de tal – dando vida como só ele, à assuntos que no habituário popular se encontravam tão distintos da moda convencional. “A cultura brasileira é sedutora. Nossos olhos brilham diante de um mundo cansado”, revelou o estilista, em entrevista ao Jornal Brasil Econômico, no suplemento de fim de semana de 1º de abril de 2010; citação que se encaixou perfeitamente ao tom pornográfico que Rodrigues sempre emplacava em suas narrativas. Fraga se inspirou na saga familiar para produzir roupas e encará-las como moldura da história. A partir de roupas de batismo, primeira comunhão e todas aquelas que compõem momentos clichês aos álbuns de retratos familiares; as vestes do estilista foram confeccionadas de modo a evoluir de acordo com todas as fases da vida, até o momento da decadência física e morte.

A aproximação do público a partir da temática da coleção parecia inevitável. A humanização do tema, ao abordar a família, no entanto, causou divergências. Ponto positivo a ambos provedores desta obra: escritor e estilista, já que a divergência no campo artístico é sempre um ponto importante. A leitura das personagens do desfile revelou diversos pontos de vista a cerca de moda e visão familiar. "É uma ideia boa para aproximar as pessoas que não tem tanto contato com o mundo da moda, pois é um tema fácil e algumas roupas são mais simples.”, afirma a bancária Danielly Soares, 25, que achou válida a temática do desfile. Em concordância à bancária, está a doméstica Ana Silveira, 48, que revelou gostar do tema: “é uma forma de valorizar (a família) um pouco, já que hoje em dia poucas pessoas dão a devida importância.".

Traje masculino, remetendo à hábitos familiares
"É muito bonito, melhor do que esses desfiles que a gente vê na televisão.", afirma a aposentada Amélia Soares, 72, que aprovou a simplicidade de algumas roupas, salientando que não é tão excêntrico e ousado quanto aos desfiles que já assistiu na tv. Sobre um dos modelitos, com adereço de porta-retrato, comenta: "tenho um quadro quase igual esse aqui em casa com a foto dos meus filhos.".

Mas há também quem não se identifique à proposta familiar que Ronaldo Fraga empregou em seu desfile. “Não me identifico porque nas fotos não tem ninguém jovem, mas dá pra perceber a presença do pai, da mãe, da avó e dos personagens que formam uma família.", relatou a estudante do curso de Administração, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Flávia Carolini, 19. Da comunidade acadêmica também, opinou Bruna Sudário, 22, estudante de jornalismo: “ele (o desfile) mostra pessoas bem diferentes e é o que realmente acontece nas famílias, um diferente do outro. Isso pode ajudar as pessoas a se identificarem.".


Gerando identificação ou não, de alguma forma a proposta do desfile criou pontos de interseção entre a família e a moda. É notório o quanto as vestes e os adereços usados pelos modelos – que além de desfilarem, davam certa dose da personalidade escrita por Rodrigues às personagens –, fizeram os entrevistados refletirem, cada qual de acordo com os valores que carregavam. E talvez moda e teatro seja isso mesmo. Pura interpretação de quem veste e vê.

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